Thursday 26 November 2015

Discurso do Papa improvisado aos religiosos no Quénia

Esta é uma transcrição integral do discurso improvisado do Papa em Nairobi no dia 26 de Novembro de 2015, no encontro com religiosos e religiosas. Foi feita "em directo", pelo que terá algumas gralhas ou falhas, mas apanha o essencial do discurso.

Seguir Jesus no sacerdócio ou na vida consagrada implica passar pela porta, que é Cristo. Ele começa e faz o trabalho. Há alguns que querem entrar pela janela, mas isso não serve. Por favor, se alguém tem um companheiro ou companheira que entrou pela janela, abraça-o mas diz-lhe que é melhor que vá servir o Senhor noutro lado, porque nunca vai concluir uma obra que não começou pela porta que é Jesus.

Isto tem de nos levar a ter consciência de sermos chamados. Eu fui olhado, fui eleito. Impressiona-me o início de Ezequiel XVI. Estrangeiros, deixados de lado, passei e carreguei-te comigo. Este é o caminho, esta é a obra que o senhor começou quando nos olhou. Há pessoas que não sabem porque é que o Senhor os chamou, mas sentem no coração que o Senhor os chamou. Devem estar em paz, porque o Senhor os ajudará a compreender para que foram chamados.

Há outros qe querem seguir o senhor mas por interesse. Lembremo-nos da mãe de Tiago e de João, que pediu para os filhos a maior fatia do bolo. Existe a tentação de seguir o Senhor por ambição, de dinheiro, de poder. Todos podemos dizer que quando comecei a seguir a Jesus isso pode-nos ter ocorrido, mas a outros ocorreu mesmo e pouco a pouco cresceu nos seus corações, como uma erva daninha.

Para quem segue Jesus não há lugar à ambição nem riquezas nem aspirar a ser uma pessoa importante no mundo. Seguimos Jesus nos últimos passos da sua vida neste mundo, até à cruz. Preocupem-se apenas em segui-lo até à Cruz, deixem-no preocupar-se com a ressurreição.

A Igreja não é uma empresa, não é uma ONG, é um mistério, o mistério do olhar de Deus sobre cada um. Ele diz: Segue-me. Que seja claro que se entra pela porta quando Jesus chama e não pela janela e segue-se o caminho de Jesus.

É claro que quando Jesus nos chama não nos canoniza. Continuamos a ser os mesmos pecadores. Continuamos a ser os mesmos pecadores. Peço, se há algum aqui, algum padre ou religiosa, ou leigo, que não se sente pecador, que levante a mão.

O facto de Jesus nos amar leva-nos em frente. Lembram-se de quando Tiago chorou? E quando chorou João? Não. E quando chorou algum dos outros? Não. Apenas um chorou, segundo o Evangelho, aquele que percebeu que era pecador, tão pecador que traiu o Senhor. Quando o percebeu chorou. Depois Jesus fê-lo Papa. Quem entende Jesus? É um mistério. Nunca deixem de chorar.

Quando um padre, religioso ou religiosa tem lágrimas secam, algo se passa. Chorar a própria infidelidade, pelo mundo, pelos descartados, os abandonados, os bebés assassinados, pelas coisas que não entendemos, chorar quando nos perguntam porquê? Nenhum de nós tem todas as respostas às perguntas.

Há um autor russo que perguntava porque é que as crianças sofrem, porque é que sofrem com doenças, cancros, tumores. Eu próprio pergunto porquê, não tenho as respostas, limito-me a olhar para Jesus. Há situações na vida em que não podemos fazer mais do que chorar e olhar para Jesus na Cruz. É a única resposta para certas situações na vida.

São Paulo dizia recordem-se de Jesus Cristo crucificado, quando um consagrado ou consagrada                                    É porque ele ou ela caiu num pecado muito grave, que Deus detesta, que o leva a vomitar, o pecado da tibieza, (da indiferença).

Irmãos e irmãs cuidem de não cair no pecado da tibieza.

Que mais vos posso dizer? Que levanto o meu coração a vós. Nunca se afastem de Jesus. Isto quer dizer que nunca deixem de rezar. Às vezes é difícil, ficamos cansados, com sono. Então durmam diante do Senhor. É uma forma de rezar. Mas fiquem diante do Senhor, não abandonem o lugar da oração. Se um consagrado abandona a oração a sua alma seca-se e mirra, como os figos que secam, são feios, não são atraentes. A alma de uma religiosa ou de um religioso, ou de um sacerdote que não reza é uma alma feia. Perdoem-me, mas é assim.

Deixo-vos com esta pergunta. Tiro tempo ao sono? Tiro tempo à rádio ou à televisão? Às revistas, para rezar? Ou prefiro-os? Ponham-se diante daquele que começou a obra e que a está a terminar em cada um. A oração.

Uma última coisa que vos quero dizer… antes de dizer outra… [risos] é que todo o que se deixou chamar por Jesus é para servir. Para servir ao povo de Deus. Para servir aos mais pobres, os mais descartados, os mais humildes, para servir os bebés e os idosos. Para servir também às pessoas que não estão conscientes da soberba e do pecado. Para servir Jesus. Deixar-se chamar por Jesus é deixar-se eleger para servir, não para ser servido.

Há cerca de um ano, num encontro de sacerdotes. Irmãs, estão safas… E durante os exercícios espirituais, cada dia havia um turno de sacerdotes que tinham de servir à mesa. Alguns queixaram-se. Não, nós temos de ser servidos. Pagámos e pagamos para sermos servidos. Por favor, nunca deixem isso acontecer na Igreja. Sirvam, não deixem ser servidos.

Senti tudo isto de repente, no meu coração, quando li esta frase de São Paulo. Aquele que iniciou a boa obra em vós completá-la-á no tempo de Jesus Cristo.

Um Cardeal idoso, com mais um ano do que eu, disse-me uma vez que quando vai ao cemitério, vê missionários, religiosos, que deram a sua vida ele questiona-se porque é que eles não são canonizados já amanhã? Porque passaram toda a vida a servir. Emociona-me quando falo às pessoas no fim da missa e há padres e freiras que trabalham há 40 anos num hospital num local difícil, toca-me no fundo da minha alma. Este homem ou mulher de Deus serve Deus, serve os outros e não se deixa servir.

Muito obrigado. Que Papa mal-educado? Deu-nos conselhos, deu-nos raspanetes e não diz obrigado.

É essa a última coisa que vos quero dizer. É a cereja em cima do bolo. Quero-vos agradecer. Obrigado por seguirem Jesus. Obrigado por cada vez que se sentem pecadores. Obrigado por cada carícia de ternura que dão a cada pessoa que precisa. Obrigado por cada vez que ajudaram uma pessoa morrer em paz. Obrigado por darem esperança à vida. Obrigado por deixarem ajudar e corrigir e perdoar todos os dias. Peço-vos que não deixem de rezar por mim, porque preciso.


Muito obrigado.

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